13.2.08

Contos Apátridas

Estou perto de fechar o livro.

São 180 páginas que devoro na travessia casa-trabalho-casa, com o prazer de me surpreender a cada página, a cada linha, a cada letra.

É um livro de bolso, compra de última hora na Fnac. Um livro de autores de língua espanhola, parte substancial nascida na América latina.
Já viram quantos escritores magníficos tem a língua espanhola?

O que mais me impressiona em cada um deles é a genuinidade, o facto de serem cidadãos do mundo, e conseguirem transmitir isso nas suas estórias.

Parte deles aprendeu a tarefa em contos para jornais, em “perninhas” a fazer jornalismo. Jornalismo à moda antiga, entenda-se, com sal e pimenta, sem crueza das notícias escritas e publicadas dos dias de hoje, sensaboronas, transparentes, tão transparentes que poucos se dignam a ler. Com risco é certo. Mas com prazer.

Não os invejas?

Estes escritores vêm de países que fizeram revoluções com sangue, onde desapareceram pessoas sob o jugo de ditadores, onde o povo dormiu em camas de rede, e fez amor e amou e traiu com as camisas de linho coladas ao corpo entre a humidade do ar e o suor.

Falam de coisas que já vi, outras que imagino. Falam de palácios Rosa, de praças imensas, de rios e de barcaças, de plantas exóticas, e Jacas como me ofereceram num Natal memorável pelas piores razões em plena Venezuela e de casas caiadas de branco como vi em Tegucigalpa. Falam enfim de gente como eu e como tu. Falam e escrevem nos livros como gente, como pessoas.

O livro chama-se “Contos Apátridas”. E custa 1 euro.

5 comentários:

Carlos Calaveiras disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Calaveiras disse...

zeca,

fico à espera que me emprestes o livrinho assim que o acabares

Anónimo disse...

Grande post Zeca. Este foi escrito com o coração.

Eu tenho uns livros do Luis Sepulveda, pelos quais fui gozado por alguns intelectuais. Mas não me importo:)

RVR

PC disse...

Tens e não tens razão.
Quantos escritores magníficos tem a língua espanhola?, perguntas.
E eu respondo/pergunto:
- Quantos países existem de língua espanhola na América Latina?
Assim de cabeça, são 20. Mais Espanha propriamente dita.
- Quantos existem a falar português?
Na América Latina, um. Mais quatro africanos. E um asiático.
Se formos pela proporcionalidade, não os invejo.
Para além dos clássicos, raros nesses países (por terem uma história recente), não nos podemos queixar: Amado, Verísimo, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Lins do Rego, Clarice Lispector, Chico Buarque, para ficarmos apenas no Brasil. Em África “temos” Mia Couto, Luandino Vieira, Germano de Almeida, Ondjaki, etc.
Proporcionalmente, não estamos mal. Em qualidade, também não.
E se olharmos para o nosso umbigo, ainda mais surpreendidos ficamos. Como é que um país tão pequeno pode ter tantos nomes que merecem ser lidos? Mário de Carvalho, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, Lobo Antunes, Possidónio Cachapa, Lídia Jorge, Manuel Jorge Marmelo, José Riço Direitinho, José Saramago, Mário Zambujal, só para falar nos vivos e na prosa.
Não os invejo (os autores de língua castelhana).
Percebo o que sentes. Mas não concordo.

zeca disse...

Caro PC,

não há comparações aqui em jogo.

Comparar países, números e qualidades, nesta como em algumas outras matérias, para além de pouco acertado é também arriscado.

Falamos de pessoas diferentes, a viver em locais diferentes, e a escrever de forma diferente. E é isso que me agrada.
E a muitos que seguem o que escrevo, e que ainda assim, tal como eu concordam contigo. É que não são mundos em colisão - apenas correm em paralelo.